03 abril 2011

Workshops a todo vapor

Apresentação
O texto que ora apresentamos pretende explicitar a proposta de tema e estudos para o 13º FECEF – Festival da Canção e Encontro da Arte Espírita de Franca.
Como se trata de uma construção coletiva, optamos por começar expondo os caminhos da formulação da proposta, para depois fundamentar, ainda que minimamente, os referenciais teóricos que a norteiam.
Quanto ao novo formato, valorizaremos as escolhas do participante no que toca as várias atividades desenvolvidas, de acordo com seus anseios e necessidades. Ao efetivar sua inscrição o participante escolherá, dentro de um cronograma pré-estabelecido, em que lugar estará, participará e, assim, respeitaremos “seu momento”.

Os caminhos da proposta
No intuito de definir o tema do 13º FECEF, o Núcleo de Eventos, através do Workshop, começou por levantar os interesses dos participantes, com o objetivo de “sondar” quais assuntos eram de maior interesse dos grupos aos quais se destina o encontro em questão. Assim, foi realizada enquete para levantar temas e bibliografias. Na oportunidade, recebemos 9 (nove) propostas, a saber:

- Abrangência da Arte Espírita - Marcela Rodrigues de Souza Duarte Arisa (São Bernardo do Campo/SP);
- A Arte na Casa Espírita - Beatriz Tintori Falcão (Muriaé/MG);
- A Realização Pessoal do Artista Espírita - Romário Fernandes (Belo Horizonte/MG);
- A proposta Ética e Estética do Cristo para a Arte Espírita - Mário Joanoni (Araras/SP);
- Pedagogia Espírita Ponte de Luz na Direção do Futuro - Vicente Lázaro de Oliveira Benate (Franca/SP);
- Arte Educação - Tania Benate (Franca/SP);
- Vinde a mim os Artistas - Marcos Ferreira Costa (Franca/SP);
- A postura do Artista Espírita e do Centro Espírita - Luís Márcio Arnaut de Toledo (São Paulo/SP);
- A Outra Face – Você conhece a sua? - Luise Soares Bastos Cardoso e Glaucio Varella Cardoso (Mesquita/RJ);


Das referidas sugestões chamou-nos a atenção como, apesar de tratarem de assuntos variados, uma preocupação estava presente em todas elas: certa inquietação com relação à identidade do artista espírita, o questionamento se há preceitos ideológicos ou conjunto de elaborações, teóricas e/ou práticas, que devem pautar o comportamento dos espíritas que enveredam pelo terreno da arte, e a necessidade de discutir o status da arte e, por que não dizer, se arte e arte espírita são coisas diferenciadas. Resolvemos então aproveitar todas as sugestões, naquilo que as mesmas tinham em comum. Formulando de outra forma: todas as propostas trouxeram como “pano de fundo” interrogações sobre como dimensionar a cultura do espírito rumo à evolução e a cultura material em que está inserida a prática cotidiana do espírita artista materializada nas diferentes manifestações da arte (música, teatro, escrita etc).


O tema ficou assim: DIÁLOGOS COM ARTE: CULTURA MATERIAL E ESPIRITUALIDADE. Ao discuti-lo, percebemos que apesar do interesse coletivo em termos como cultura, cultura material, espiritualidade, arte, os mesmos são compreendidos de diferentes maneiras por pessoas que também são distintas. Então propomos iniciar os estudos com a instrumentalização teórico-científica básica acerca das palavras em questão, para depois propor diálogos, obviamente mediados pelo fazer artístico, sobre questões mais particulares e aprofundadas sobre assuntos que margeiam o debate. Exatamente por isso, os estudos estão divididos em três partes: 1) uma provocação inicial, feita por meio de conferência que dimensione o assunto; 2) uma introdução sobre os termos e seus conceitos mais gerais; 3) as especificidades das abordagens.

Fundamentações teóricas
As ciências humanas têm na palavra cultura um de seus principais conceitos. Exatamente por ser muito utilizado, o termo ganhou inúmeras definições através dos tempos. Historiadores, Antropólogos, Sociólogos, Filósofos, enfim, uma variada gama de pesquisadores contribuíram para as formulações e significados da palavra cultura, em seus muitos matizes.
De modo geral podemos compreender cultura como o conjunto de realizações humanas, no âmbito da concretude e/ou do imaginário, que marca a sociabilidade dos povos. Nesse sentido, podemos falar de cultura material, cultura afetiva, sexual, política e de muitas outras formas de delimitação do termo, dependendo do interesse daquele que o aborda.
Já houve quem defendesse a idéia da superioridade cultural de determinados grupos sobre outros dentro da mesma sociedade, ou de hierarquização cultural de uma civilização para outra, ou ainda aqueles que, seguindo os passos de Darwin, advogavam para todas as culturas etapas sistematicamente pré-definidas, como se as sociedades em espaços e tempos diversos seguissem sempre o mesmo padrão de desenvolvimento. Felizmente, hoje chegamos ao ponto de admitir a diversidade cultural, por meio da aceitação de que as sociedades, e seus diferentes membros, possuem histórias próprias e não podem ser avaliadas com modelos generalistas e valorativos.
Para os propósitos desse trabalho são úteis as formulações sobre cultura de Alfredo Bosi. Partindo da etimologia da palavra (o verbo latino colo – “eu ocupo a terra”), o autor define cultura como
(...) o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar, e não apenas em termos de agricultura, mas também de transmissão de valores e conhecimento para as próximas gerações. Nesse sentido (...) afirma que cultura é o conjunto de práticas, de técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para garantir a convivência social (SILVA; SILVA, 2005, p. 86).¹
Da idéia do autor depreendemos algo que é considerado importante em qualquer definição de cultura: seja no âmbito da concretude ou do simbólico, da produção material, do conhecimento, crença ou religião, a cultura relaciona-se sempre com as permanências de gerações a gerações e está fincada na memória social, na base das percepções identitárias de uma dada sociedade.
Por se relacionar com identidade e memória a cultura vem sendo constantemente defendida como algo que deve ser preservado, cuidado, valorizado.
A cultura, se compreendida como o conjunto das relações humanas está, parece-nos óbvio, na base da história dos homens.
A exemplo da cultura, identidade também é um termo que permite múltiplas definições.
Tanto para a Antropologia quanto para a Psicologia, a identidade é um sistema de representações que permite a construção do “eu”, ou seja, que permite que o indivíduo se torne semelhante a si mesmo e diferente dos outros. Tal sistema possui representações do passado, de condutas atuais e de projetos para o futuro. Da identidade pessoal passamos para a identidade cultural, que seria a partilha de uma mesma essência entre diferentes indivíduos (SILVA; SILVA, 2005, p. 202).
A identidade se define constantemente, fincada no coletivo e em diferentes temporalidades. Acreditamos que, no âmbito das várias ciências, identidade pode ser definida como a territorialização da memória que deve ser tomada como algo que sempre tem relação com o coletivo (Halbwachs, 1990). Neste sentido, a identidade de um grupo se constrói pelas experiências comuns e compartilhadas do mesmo, materializadas nos artefatos materiais que produziu ao logo dos tempos. Uma mesma vivência resulta em mesmas concepções de mundo. No entanto, desde o advento da modernidade, e/ou da pós-modernidade (como defende alguns), marcada pelo avanço tecnológico e dos meios de comunicação que estreitou espaços, aproximou fronteiras e multiplicou o acesso a informação, homens que vivem no mesmo espaço geográfico tem oportunidades de experimentar experiências das mais diferenciadas. Tal fato significou uma onda de crises identitárias num tempo em que as antigas certezas foram abaladas pela multiplicidade de vivências e idéias que coabitavam (e ainda coabitam) o mesmo espaço na contemporaneidade.
Se identidade é a territorialização da memória e se a memória é fruto da experiência cotidiana, parece-nos óbvio que as múltiplas vivências resultam em “diferentes identidades”. Mas o ser espírita significa compartilhar idéias e certezas. Disto resulta a crise: num mundo em que várias formulações teóricas são possíveis, o que os espíritas devem defender? Em outras palavras: o espiritismo, enquanto formulação kardecista, é rico em orientações e expectativas quanto ao mundo e ao comportamento ideal de seus adeptos, mas a arte é algo indefinido, em defesa da subjetividade, inspiração e multiplicidade de ações. Toda a discussão fica ainda mais complicada se pensarmos que a encarnação significa o cerceamento corpóreo da capacidade de ação do ser e o sua inevitável subordinação à cultura material.
Entendemos cultura material como o conjunto da produção dos homens através dos tempos, como o fruto do agir humano em produtos variados, desde a coisa (roupa, móveis, casa e todo o tipo de artefato) até a idéia que a legitima. Tomemos um exemplo:
- Faz parte da cultura material a idéia de que devemos formalizar e legalizar os relacionamentos. Para tanto, produzimos uma série de artefatos que informam tal idéia que abarca lugares para o casamento, roupas apropriadas, papéis que certificam o fato, joias, dentre outros. Tudo isso integra nossa cultura material. Mas a questão que se coloca é inevitável: é neste sentido que caminha a evolução do espírito?
Durante as experiências da (re)encarnação os espíritos adquirem, sistematicamente, a compreensão do processo e do progresso da humanidade, sobretudo a partir do relacionamento com os outros seres em evolução, com os quais aprende e apreende diferentes faculdades com o intuito (e a esperança) de alcançar valores morais e éticos com vistas à perfeição.
A preocupação para com a espiritualidade é comum a todo espírita, mas como equacioná-la com as necessidades materiais é um problema que todos nós devemos enfrentar.
É preciso pensar e agir de forma decisiva para a evolução do espírito; nosso papel é também construir uma proposta concreta, objetiva e “espiritualizante”, que combine a doutrina espírita e os desafios da contemporaneidade. O espírito humano guarda em si as sementes potenciais de todas as perfeições espirituais. Emmanuel no livro O Consolador diz que “temos de convir que todas as expressões de arte na Terra representam traços de espiritualidade, muitas vezes estranhos à vida do planeta”. É nesse sentido que discutiremos as interseções entre cultura material e espiritualidade. Afinal, "tudo é permitido, mas nem tudo convém; tudo é permitido, mas nem tudo edifica” (PAULO, 10:23).


1 O livro de Alfredo Bosi ao qual se refere Vanderlei Kalina Silva é: BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1996.


Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Adriana Mortara; VASCONCELLOS, Camilo de Mello. Por que visitar museus? In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2001, pp.104-116.
ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas/ CPDOC, n.21, v. 1, 1998, pp. 1-30.
DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. São Paulo: Petit, 2000.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice/ Revista dos Tribunais, 1990.
HOBSBAWM, Eric. O novo século: entrevista a Antônio Polito. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
PAULO: In: A Bíblia - Primeira epístola aos Coríntios: tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Site Oficial. Disponível em www.iphan.gov.br
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Ajuda-te, e o céu te ajudará. 346 ed. Araras: IDE, 2007.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Introdução. 11º. ed. Capivari: EME, 2008.
LOBO, Ney. Pedagogia da Espiritualidade. In: 4º Congresso Brasileiro de Pedagogia Espírita, 2010, São Paulo, SP.
NOGUEIRA, Azelma. O compromisso do artista espírita. In: 12º FECEF. Franca/SP: Arte e Vida, 2009.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. Verbete Cultura, Identidade, Patrimônio, Modernismo? São Paulo: Contexto, 2005.
XAVIER, Francisco C. O consolador, pelo Espírito Emmanuel. 4º. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1959.

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